sábado, 18 de setembro de 2010

Os mouros de Albufeira

Albufeira é uma vila antiga e sede de um concelho da mesma designação. Suponho que o seu primitivo nome, pelo menos entre os árabes, fosse Alfavere. Parece que a esta vila se refere o autor da Relação da derrota naval dos cruzados para a Terra Santa, quando diz:
«Alfavere entregou-se ao Rei [D. Sancho I] com medo de nós, cujo recheio transferiu para Silves».
Ora o cruzado citou Alfavere, depois de ter mencionado os castelos que cairam em poder do rei, em seguida à conquista de Silves.
Se efectivamente Albufeira caiu em poder de D. Sancho I, foi mais tarde retomada pelos mouros, pois que todos os historiadores afirmam que D. Afonso III, em seguida à conquista de Faro, mandou sitiar o castelo de Albufeira.
Na conquista desta vila deu-se um episódio que La Clede conta
assim:
«Tinha quase sido tomada a praça de Albufeira, quando El-Rei D. Afonso III chegou. Não tardou muito que se fizesse a capitulação, ficando os cristãos senhores do lugar, e parte dos mouros a despejou. Ficou E-Rei morrendo de amores pela filha do comandante da vila, e sua formosura e graça natural era tanta que enchia de admiração a todos, mouros e cristãos. Suspirou algum tempo por ela, até que por fim vencida não do lugar, que ele ocupava, mas do grande amor, que lhe tinha, rendeu-se aos seus desejos e deu-lhe um filho, que se chamou Martim Afonso Chichôrro, pai e chefe da família dos Sousas deste nome”.
Não há todavia uma lenda em Albufeira de mouros ou mouras encantadas. O meu particular antigo, o senhor Francisco Correia de Melo Leote, cavalheiro muito estudioso e investigador de coisas antigas, respondendo a uma carta, que lhe escrevi sobre este assunto, diz que nenhuma lenda ali encontrada fala de mouras encantadas. Se alguma lá existiu, foi esquecida, como outras muitas, piedosas e profanas, que jazem no olvido.
Não há efectivamente em Albufeira uma lenda, mas apenas uns restos dispersos, sem urdidura e sem nexo, que o senhor Honório Moura me narrou e que ele ouviu quando andava na escola e visitava com as crianças da sua idade as furnas da praia.
Diziam-lhe os seus companheiros, naturalmente por ouvir a seus pais, que na furna do Xurino apareciam mouros que ali ficaram encantados por ocasião da conquista do castelo de Albufeira; e diziam-lhe mais que estes mouros vinham fugidos de Faro e que não tinham podido já entrar no castelo da vila, pois que os seus se arreceiaram de lhes abrir as portas com medo dos cristãos que lhes vinham no encalço.
A um velho, do sítio da Patã, e que fôra soldado, perguntei se em Albufeira havia mouros encantados.
— Eu sei, senhor, que na casa da guarda do castelo, aparecia um carneiro que todos diziam ser um mouro encantado. O tal carneiro dava-nos que fazer e que temer. À meia noite dava uns berros de meter medo. Não havia alma cristã que o esperasse. Fizemos parede e pedimos ao nosso sargento que nos desse outro lugar para fazer a guarda.
— E o sargento que respondeu?
— Que nos aguentássemos; e nós, à meia noite, lá o esperávamos, com os cinquenta cartuxos da ordenança. O alma do diabo parecia que adivinhava: nessas noites não aparecia!
Desta resposta e do que o meu amigo, o senhor Moura me contou, devo concluir que embora antigamente houvesse uma lenda completa, todavia dessa lenda apenas restam factos isolados, que, ainda assim, comprovam a existência da antiga lenda, hoje completamente esquecida e obliterada na memória do nosso povo.

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